Ao longo dos anos de trabalho com a Coleção Literária Besouro, recebemos diversos textos de escritores e escritoras, alguns explorando a ludicidade e a fantasia para trazer elementos que conectem as crianças com as nossas ancestralidades africanas e imprimam a grande beleza dos povos da diáspora, porém também chegaram em nossas mãos contos inapropriados para crianças e adolescentes, nosso público primário, e que reforçavam grandes esteriótipos que maculam nossas crianças durante toda infância e nos perseguem na adolescência e fase adulta.
Nessa quarentena peguei alguns livros infantis que estavam parados e me dispus a lê-los, trágico feito!
Entre eles, dois me ofenderam demais, o primeiro é o clássico “Menina Bonita do Laço de Fita”, a história de um coelho branco que se apaixona por a menina bonita do laço de fita, que é negra, ele quer a todo custo ser “pretinho”. O livro é um horror, finalizando com o coelho vendo que ele não conseguiria se tornar “pretinho”, mas que se casasse com uma coelha pretinha teria filhos de todas as cores. O final é assustador com uma coelha “negra”. Desde o texto muitas vezes agressivo, termos como “Mulata”, frases do tipo “…procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela, ficou bem negro…” ou as ilustrações antropomorfizadas e estereotipadas, bem, pela origem da escritora e ilustradora credito a falta de sensibilidade nessa abordagem.
Porém um caso que me chamou a atenção de como a sutileza do racismo e de conceitos como a passividade negra na escravidão brasileira, chegando a beira da benevolência dos senhores e da romantização pega até os nossos. No trabalho do grande Joel Rufino dos Santos, O Presente de Ossanha, com belas ilustrações, o que me causou espanto e desolação foi a inversão de quem é a vitima, comprado para ser brinquedo do filho do senhor de escravo, o menino negro ganha um presente de Ossanha que é cobiçados por todos e pela casa grande, não querendo vender ou dar para seu “dono” o presente, ele é vendido para longe do seu sinhozinho, que tadinho (Ironia) fica triste, no fim da estória o filho da senhor de escravo recebe o presente que Ossanha deu ao menino negro escravizado. A humanização só do personagem branco, o único que tem sentimentos e a passividade da criança negra e até do próprio Ossanha diante da escravidão e repressão que a criança sofreu ao receber o presente é de enfurecer minha leitura, o conceito de ESCRAVO DA CASA, que Malcolm nos apresenta onde o senhor fica doente, nesse caso o sinhozinho e todos ficam, se aplica aqui.
Infelizmente o enorme e lucrativo mercado de literatura infantil, tem muito dessas caixas de pandora, injetando em nossas crianças tais conceitos e sentimentos, já que estes escritos tem um contributo enorme na sua formação pelas subjetividades e símbolos. Editoras e alguns escritores (as) se aproveitam muitas vezes da falta de material e grande procura para disseminação de livros de qualidade e conteúdo duvidoso, reforçando esteriótipos e conceitos racistas.
Precisamos começar a pensar e filtrar quais símbolos, qual olhar da história, quais fantásticos, quais imagens, quais referências queremos que nossas crianças tenham acesso.
Sempre fui contra esses livros excelente reflexão obrigado
Absolutamente desnecessárias estes livros.
Muito bom o texto! Muito importante! Sempre escolho com critério a literatura que meu filho vai consumir!