Star Wars e a Política Brasileira – Oligarquias – Pílula 1

Já faz algum tempo que eu planejo escrever um material tendo com fonte uma das séries que mais aprecio, Star Wars, linkando suas tramas e subtramas com o cenário político brasileiro.

Os trabalhos e demandas me impediram de começar este trabalho, porém com alguns intervalos entre as elas, vou pelo menos iniciar esse debate em formato de pílulas.

Esta primeira pílula traz algo muito recorrente em nossa cultura política e está em todos os arcos, e diria até que é o único arco de Star Wars, o poder das oligarquias.

Em Star Wars, seja no período da República ou do império, e principalmente na Nova República, as famílias sempre tiveram grande poder político, religioso e influência no senado, aonde a pluralidade de vozes alienígenas deveria ter mais relevância. Estamos falando obviamente da família Skywalker, na Nova República eles assumem um papel central, em especial a princesa Léia. A heroína da resistência não chega a ser uma chanceler ou senadora, mas toma o cargo de general com poder tão semelhante aos outros cargos da nova república, indicando uma vigilância militar sobre as ações da república (soa familiar, não acham?). Cabe então aos Skywalker, filhos da senadora Amidala e de Anakin Skywalker, o cuidado militar da nova república por um lado, e por outro o destino religioso, já que Luke cria uma nova escola a fim de manter a ordem Jedi viva, obviamente até o seu autoexílio.

A política brasileira não se faz diferente, temos oligarquias em todas as regiões do país. Primeiramente é importante definir o que é “oligarquia”; em uma definição livre, oligarquias, são poderes compartilhado entre familiares, ou entre grupos que controlam econômica, política e territorialmente a grande massa, mesmo sem terem sido eleitos para tal, um sistema muito parecido inclusive com a monarquia, que também se faz presente em Star Wars, já que muitos dos senadores são na realidade príncipes nos seus planetas de origem, como a própria Léia.

O Brasil sempre foi controlado por famílias, desde as capitanias hereditárias, o panteão da supremacia política da república é grande, temos a família Sarney, os Calheiros, a família Collor, a família Ratinho, que faz uma dobradinha entre poder político e midiático, a família dos Gomes no Ceará, a família Milton leite em São Paulo, e por aí vai. Destaco ainda a família Neves, no qual o seu membro mais novo, Aécio Neves, tentou usurpar o poder, incentivando um golpe de estado, após perder uma eleição, o que será tema dessa coluna em algum momento, já que seu ato desestabilizou toda a república, sim, estou falando do Brasil.

Essas famílias oligárquicas plantam em nossa cultura a ideia de que seus herdeiros são abençoados e capacitados para continuar “guiando” o povo para o progresso. Pensando nisso nada mais emblemático que a família Bolsonaro, toda sua prole teve ascensão política por nascerem filhos do então ex-militar. Já nasceram políticos profissionais sem nenhuma vivência de vida no campo social para atender a dinâmica e diversidade da população, se restringindo a pautas setorizadas e em sua maioria discriminatórias. Esses herdeiros recebem a benção dos seus mais velhos que gritam ao povo “sigam, sigam”, exercendo seu direito quase monárquico de continuar mandando no povo e indicando seus sucessores.

Uma república, tanto faz que seja em Star Wars ou no mundo real, não sobrevive equilibradamente, sendo controlada por famílias geração após geração, a frágil tranquilidade desse modelo “democrático”, e digo democrático já que os indicados pelo rei são eleitos, vai se ruindo, encurtando o reinado desses grupos e fomentando o surgimento de déspotas que a fim de romper com as oligarquias e grupos de interesse implementam ditaduras.

Por fim, o modelo oligárquico, se manifesta no campo religioso também, estendendo-se das religiões de matriz africana aos cultos radicais neopentecostais, e em Star Wars temos a linhagem do domínio da força, a força é muito forte na minha família Skywalker, afinal assim como na oligarquia política muitas pessoas se sentem eleitos, sendo o poder divino também repassado aos seus descendentes.  Infelizmente essas concepções cruzam todos os espectros políticos, criando um estado quase teocrático, mesclando a figura de um Salvador com a manutenção do estado de direito. É uma química totalmente instável que tende a gerar rebeliões, movimentos separatistas, crises éticas que não coadunam com os princípios de nenhuma República, seja em Star Wars ou no Brasil, ou seja, se derruba a consagração da separação do estado e religião.

Agradeço a leitura até aqui, seguirei produzindo essas pílulas como exercício para que um dia, quem saiba, nós não façamos o material inteiro e completo, traçando paralelos da política nacional e seus personagens com as tramas de Star Wars. Volto em breve com novas reflexões.

Filmes de Sfi-Ci em África, um olhar sobre a presença negra nessas produções

Você já assistiu Distrito 9, Chapie e o menos famoso Revolt? Repararam algo em comum nessas produções?

A alta sofisticação cientifica? Sim.

A presença alienígena? Sim.

Os três tem como palco principal países da África? Sim, respectivamente África do Sul e Quênia.

E o que mais?

Caro leitor, caso sua memória não lhe ajudou, faço este serviço, nos filmes mencionados os personagens principais não são negros (as). Vale dizer que os personagens de Chapie e Distrito 9 são sim sul-africanos, descendentes dos Bôeres e ingleses colonizadores.

Como são retratados os africanos (as) negras (os) nesses filmes?

De maneira quase invisível!

Nós brasileiros estamos acostumados com esse apagamento, afinal até o fim dos anos 2000 as novelas brasileiras eram um retrato europeu em terras tupiniquins, guardando aos atores e atrizes negras os papeis pré dispostos de subserviência, malandragem negativa e ou mal caráter e atributos neste níveis. Vale conhecer o trabalho do grande Joel Zito Araújo, em especial, o livro e documentário “A negação do Brasil”

Pois bem naveguemos pelos filmes…

O Distrito 9 dá mais visibilidade aos alienígenas insetos super desenvolvidos do que as negros nativos da Africa do Sul, o filme narra a reorganização do assentamento desses extra terrestres. A população negra local aparece como coadjuvante nos postos policiais sem nenhuma grande ação os envolvendo, os personagens negros que aparecem com uma história definida são mercenários ou praticantes de um culto de antropofagia com os corpos dos alienígenas.  O irônico  deste filme é lembrar que durante o apartheid na África do Sul parte da comunidade negra sul-africana foi levada aos guetos, e viveram em condições sub humanas e presos no chamado Bantustão.

O Chapie é um filme muito simpático alias, consegue apresentar uma Joanesburgo cosmopolita, mas sem a presença negra local a não ser como figurantes e papéis mais que secundários. No filme a força humana policial está sendo substituída por robôs, um jovem programador Indiano altera uma das maquinas que acaba nas mãos de um grupo criminoso, eles formam uma família disfuncional e inserem o infantil Chapie no mundo do crime.  

Por fim o filme Revolt se passa em meio à uma invasão alienígena, por algumas falas do filme não existe mais os Estados Unidos e tão pouco seu exército, a não ser um soldado que carrega um rastreador em seu corpo, ele e uma médica francesa são os protagonistas do filme, o local da trama é o Quênia, e os Quenianos são retratados em primeiro momento como soldados homicidas e mercenários, ou apenas vitimas da invasão, somente no final do filme é mostrada uma resistência negra, um cientista negro que constrói a maquina que pôs fim aos alienígenas, porém a arma não funcionaria, claro, sem o manuseio do salvador Branco.  

Essas produções de padrão hollywoodianas colocam como sempre o homem/mulher branco(a) ou seus descendentes como salvadores, reforçando o colonialismo de redenção pregado pelos europeus nos séculos de colonização.  A sagrada terra mãe da humanidade e seus filhos são apenas figurantes de suas tradições, construções e do próprio FUTURO, afinal esses filmes refletem sobre o por vir e, pelo olhar desses diretores e/ou roteiristas, no futuro os povos africanos ainda dependerão da Europa.

O trato com as comunidades locais em África confirmam a necessidade de reforçamos a circulação de produções genuinamente africanas, locais, e que tenham como roteiristas, personagens principais, tecnologias, estéticas a beleza e diversidade cultural e artística dos diversos povos africanos em seus respectivos países. 

O afrofuturismo é pilar super importante nesta nova narrativa, pois ela conecta nosso passado e toda sua grandeza com um futuro onde nós afrodescendente e os/as africanos (as) serão os proponentes e lideres de sua história e futuro!

E VOCÊ O QUE ACHA DESSAS PRODUÇÕES E SUA RELAÇÃO COM A ÁFRICA?

 

Por dentro da “Aurora”

Lançamos no inicio desta semana a EP “Aurora” minha primeira obra musical neste formato, isto é, como referência aos LP (long play) e EP (extended play), porém aqui no Brasil o formato de “EP” ficou como sendo um álbum promocional, uma experiência mais conceitual e curta de um projeto maior.

Produzi este trabalho junto com Dj neew, ele conta ainda com a participação do músico mineiro Eazy CDA, e um vocal do baterista Daniel Lino. Eu e Dj neew, tocamos os outros instrumentos, além das pesquisas e colagens, sequenciamento das baterias, samplers, mixagem e masterização.

Não quero e não vou fazer um track a track, porque quero que cada ouvinte absorva e tenha sua visão e sensação mediante a musicalidade, as letras e a estética da EP.  O que posso adiantar antes de vocês navegarem nessa Aurora é que ela traz uma viagem aos estilos de rap com nuances de Jazz, Soul, Funk e Rock, apresenta também por meio das letras e performance vocal uma leitura politica, filosófica e futurista dos tempos atuais.

Bem vindo ao raiar deste dia, a esta nova Aurora, mais uma oportunidade de sermos nós em conjunto com os outros!!!

OUÇA TAMBÉM PELO SPOTIFY (CLIQUE AQUI)

Ficha Técnica

1.  Tratado Sobre Nós (Teclado: Eazy CDA, Percussão: Mano Réu)

2. Aurora (Pré Produção: Daniel Lino, Vocal: Daniel Lino, Bateria/Guitarra/Baixo/Sinths: Mano Réu)

3. Ainda em 2k16 (Instrumental: Dj Neew, Colagens: Mano Réu)

4. Onda-me (Instrumental: Dj Neew, Colagens: Mano Réu)

Produzido por Dj Neew e Mano Réu, entre Novembro 2019 à Janeiro de 2020, Gravado, mixado e masterizado na Timbres Produções

A capa da EP foi feita a partir desta foto que retrata meu primeiro dia no prézinho, lugar onde o conhecimento viu sua Aurora em mim.

Livros que eu não leria para uma criança negra

Ao longo dos anos de trabalho com a Coleção Literária Besouro, recebemos diversos textos de escritores e escritoras, alguns explorando a ludicidade e a fantasia para trazer elementos que conectem as crianças com as nossas ancestralidades africanas e imprimam a grande beleza dos povos da diáspora, porém também chegaram em nossas mãos contos inapropriados para crianças e adolescentes, nosso público primário, e que reforçavam grandes esteriótipos que maculam nossas crianças durante toda infância e nos perseguem na adolescência e fase adulta.
Nessa quarentena peguei alguns livros infantis que estavam parados e me dispus a lê-los, trágico feito!
Entre eles, dois me ofenderam demais, o primeiro é o clássico “Menina Bonita do Laço de Fita”, a história de um coelho branco que se apaixona por a menina bonita do laço de fita, que é negra, ele quer a todo custo ser “pretinho”. O livro é um horror, finalizando com o coelho vendo que ele não conseguiria se tornar “pretinho”, mas que se casasse com uma coelha pretinha teria filhos de todas as cores. O final é assustador com uma coelha “negra”. Desde o texto muitas vezes agressivo, termos como “Mulata”, frases do tipo “…procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela, ficou bem negro…” ou as ilustrações antropomorfizadas e estereotipadas, bem, pela origem da escritora e ilustradora credito a falta de sensibilidade nessa abordagem.
Porém um caso que me chamou a atenção de como a sutileza do racismo e de conceitos como a passividade negra na escravidão brasileira, chegando a beira da benevolência dos senhores e da romantização pega até os nossos. No trabalho do grande Joel Rufino dos Santos, O Presente de Ossanha, com belas ilustrações, o que me causou espanto e desolação foi a inversão de quem é a vitima, comprado para ser brinquedo do filho do senhor de escravo, o menino negro ganha um presente de Ossanha que é cobiçados por todos e pela casa grande, não querendo vender ou dar para seu “dono” o presente, ele é vendido para longe do seu sinhozinho, que tadinho (Ironia) fica triste, no fim da estória o filho da senhor de escravo recebe o presente que Ossanha deu ao menino negro escravizado. A humanização só do personagem branco, o único que tem sentimentos e a passividade da criança negra e até do próprio Ossanha diante da escravidão e repressão que a criança sofreu ao receber o presente é de enfurecer minha leitura, o conceito de ESCRAVO DA CASA, que Malcolm nos apresenta onde o senhor fica doente, nesse caso o sinhozinho e todos ficam, se aplica aqui.
Infelizmente o enorme e lucrativo mercado de literatura infantil, tem muito dessas caixas de pandora, injetando em nossas crianças tais conceitos e sentimentos, já que estes escritos tem um contributo enorme na sua formação pelas subjetividades e símbolos. Editoras e alguns escritores (as) se aproveitam muitas vezes da falta de material e grande procura para disseminação de livros de qualidade e conteúdo duvidoso, reforçando esteriótipos e conceitos racistas.
Precisamos começar a pensar e filtrar quais símbolos, qual olhar da história, quais fantásticos, quais imagens, quais referências queremos que nossas crianças tenham acesso.

A Trindade do Funk Afrofuturista

Os anos 60 e 70 proporcionaram ao mundo e a música negra um salto no tempo para o futuro, vivendo e atuando contemporaneamente; George Clinton e Parliament Funkadelic, Zapp e Earth, Wind & Fire, inspiraram a juventude negra de sua época que colocaria o Rap como música mais ouvida e popular do mundo em 2018.

Os baixos em primeiro plano, as baterias eletrônicas, as danças, performances, figurino, os sintetizadores, o Talk Box, a simbologia utilizada nas capas dos LP’s, os discursos políticos e culturais, as interpretações das canções consolidaram um modo de fazer música que transpôs o atavismo da música tradicional negra e projetou esses artistas para o futuro, trazendo para si e para toda a cultura negra o uso das tecnologias e a reivindicação do futuro em suas obras artísticas.

Lá vai 3 exemplos e visão afrofuturista destas bandas

Mothership Connection

 Se liga no que disse o próprio George Clinton sobre o Álbum

 “Colocamos pessoas negras em situações que ninguém jamais pensou que elas estariam, como a Casa Branca. Imaginei que outro lugar que você não pensaria que as pessoas negras estariam era o espaço sideral. Eu era um grande fã de Star Trek , fizemos uma coisa com um cafetão sentado em uma nave espacial em forma de Cadillac, e fizemos todos esses grooves do tipo James Brown, mas com conversas de rua e gírias do gueto”

 Confiram a capa dessa obra

O Egito Futurista de Earth, Wind & Fire

Em todos os seus trabalhos a banda sempre evocou elementos misticos e mitológicos para as suas obras, e o Egito sempre esteve presente, no álbum All N All, no qual resenhei neste post AQUI, a banda apresenta um Egito futurista, que ainda contempla o poder e feito dos milenares Faraós, mas está em conexão com o futuro, seja desbravando outros mundos ou em sua arquitetura arrojada.

Confiram a capa e contra capa desse disco

ZAPP (bem, Zapp é Zapp)

Bebendo da fonte inesgotável de George Clinton e seu P.Funk, Os irmãos Troutman deram sequencia a este legado se caracterizando-se por seus álbuns nomeados em sequencias numéricas, sua jovialidade e claro o uso do Talk box, no qual a meninada de hoje refaz esse caminho com o Auto Tune. Quem não lembra da performance de Roger em Computer Love ou na mais recente California Love com Dr. Dree e Tupac?

Deixo aqui um vídeo de uma performance do Zapp

Essas três bandas revolucionaram seu tempo com o que tinha de mais tecnológico e avançado para sua época para produção musical e estética dos espetáculos, projetando o futuro a partir de suas experiências como negros e negras. Tem algo mais afrofuturista do que isto?

OPINIÃO – A literatura Negra para além da Poesia

Quem conhece meus trabalhos sabe que estive ligado aos saraus e movimentos de literatura periférica entre pelo menos 2008 a 2017, participei de cerca de 11 antologias, com 20 textos (poesias). Algumas dessas antologias com diversos escritorxs negrxs e outras especificas de literatura negra.

Porém, o que me inquietou nos últimos anos foi perceber que em meio a tanta produção literária, pensando em literatura negra, os escritores e escritoras negras focam sua produção apenas na poesia e em alguns casos em contos.

Onde estão os escritores negros que produzem Novela? Horror? Fantasia? Ficção Cientifica? Há espaço para esses gêneros na literatura negra nacional? Os leitores que Formamos nos saraus e slams são leitores e consumidores de outros gêneros literários para além da poesia, conto, da narrativa discursiva e performática, ou livros acadêmicos?

Em minha mera opinião trouxemos para nosso meio artístico o extra-realismo da literatura brasileira, impossibilitando que escritores e escritoras foquem suas carreiras e estudos em escrever outros gêneros literários, claro, pontuo aqui outros empecilhos e percalços que sem dúvida apoia essa minha opinião, como;

– O imediatismo em publicar (publicar livros é relativamente novo para nós, sendo assim a poesia acaba sendo um meio mais rápido para produzir e publicar)

– Falta de interesse das editoras (Temos poucas editoras negras e quase nenhuma focada na publicação de outros gêneros além de livros acadêmicos, biográficos e poesia/conto, ficando difícil, ou digamos “constrangedor” para o escritor e escritora enviar seus originais de outra linha literária, sobrando muitas vezes outras editoras que não valorizam as experiências e vivências negras, focando apenas no nicho e em seus lucros, exibindo um/uma escritora negra em seu catalogo)

– O escapismo (infelizmente ainda é possível ouvir e ler comentários acusando escritores negrxs que fogem, vamos dizer assim, da “denuncia direta”, de escapistas. “A realidade é tão dura e vocês querem escrever sobre monstros? E esses monstros nem são “Empoderados”, como assim? Nossa gente morrendo aqui e vocês falando sobre o espaço, tecnologias?” É… isso acontece por aqui e também sem dúvida deve desmotivar alguns escritores e escritoras).

Mas existem no Brasil escritores(as) negros(as) que produzem literatura negra para além da poesia?

Sim eles e elas existem!!!

Destaco alguns e algumas; do Rio de Janeiro Hedjan C.S, autor do livro de horror “Gótico Suburbano”, Sabine Mendes, autora do livro de Ficção Cientifica “Incompletos”, Lu Ain Zala, autora da “Duologia Brasil 2408” livro afrofuturista, Henrique André com a fantasia no livro “Alagbará, Fabio Kabral com seus 2 livros afrofuturistas, e eu, com “Os Planos Secretos do Regime” uma distopia afrofuturista.  E tem mais!!!

Este texto, para além de introduzir uma conversa que irá se desenvolver em outras postagens é também um estimulo para que escritoras e escritores negros possam começar a produzir livros em outros gêneros para assim expandirmos nossas vivências, ancestralidades e perspectivas do presente e para o futuro.

Até a Próxima

Dica do Réu: “A missa de Milton Nascimento, a Missa dos Quilombos”

Você já foi em uma missa afro? Sabe como acontece? Nosso querido Milton trouxe todas as sensações, clima, ambiente e ritos pra um Disco. O universo Banto, Nagô-Jeje, o mundo católico, sua engenhosidade, talento e conhecimento, foram usados para  compor, arranjar e reger toda essa missa!

Gravado em março de 1982 ao vivo, em 3 noites, na Igreja da Nossa Senhora mãe dos Homens Caraça, um bela igreja diga-se de passagem. A missa que se ouve nesse disco não é uma entonação de cânones da religião católica, é sim uma celebração da ressurreição do povo negro.

A de ó (Estamos Chegando)

“…Estamos chegando da morte dos mares,

estamos chegando dos turvos porões,

herdeiros do banzo nós somos,

viemos chorar…”

É assim que o Sr. Milton começa a missa, essa música, Aliás usei em um dos meus singles “Banzo”. Essa canção é um chamado, na verdade um anuncio de onde estamos e como estamos chegando.

Em Nome de Deus

“…Em nome do Povo,

Que fez seu Palmares,

Que ainda fará

Palmares de Novo.

Palmares…. Palmares….”

Com todas as músicas compostas pelo próprio Milton, esse disco ou essa missa, talvez represente o Disco mais “EMPODERADO”, usando um termo do momento, da década na música popular, sendo lançado em plena censura da ditadura aos movimentos sociais e artísticos.

O disco conta com altos “Coros” da música sacra católica e muitos tambores, agogôs, cuícas numa mistura de ritmos afrobrasileiros. O Lado A do Discos tem as músicas A de Ó, e RIto Penitencial como destaque, sendo também a faixa “Em nome de Deus” um deleite com um solo do Milton.

Encarte álbum
Encarte interno do LP

A primeira faixa do Lado B “Aleluiá” é pra você se sentir no terreiro!

“Rito de Passagem” toca numa pegada mais de Marcinha e pausa para um solo pesado acompanhado de um bem tocado Violão.

“Louvação a mariama” é o brilho do CD, pela letra, solos de percussão e a gravação. E falando em gravação só quem tem o Vinil vai poder ler o que o “Mazola” produtor desse LP disse do desafio de gravar em uma igreja, sobre a acústica, testes, enfim, confiram alguns trechos;

…O problema era encontrarmos um local onde a sonoridade externa não prejudicasse a gravação…”

“… No fim do dia a conclusão foi quase desanimadora…”

“… Colocamos 1 Bateria, 4 atabaques, 1 percussão, 11 vozes 1 guitarra, 1 contrabaixo  e teclados, todos juntos tocando. A reverberação foi terrível…”

“… Pedimos ao padre tobias que nos fornecesse 60 colchões de espuma e 80 cobertores, teríamos que amortecer a reverberação dos instrumentos… No fim da noite 60% do som foi alcançado…”

“… No outro dia recomeçamos… E foi quando fizemos o primeiro ensaio para os ajustes finais… Que disse emocionado ao Milton: Conseguimos…”

Esse disco é um jóia pra quem ama e quer conhecer Milton Nascimento, a cultura Negra, o Sincretismo e também a habilidade técnica e sonora captada nessas 3 noites inesquecíveis de gravação.

Palmares o Sinai Negro, Zumbi, o Moisés Negro

Dica do Réu – Earth, Wind & fire: o afrofunkfuturista inspirado no Brasil e no Egito

Com um som muito harmônico, pesado e cheio de Hits, O Earth Wind & Fire, também se destaca pela estética visual dos seus álbuns, que hoje popularmente chamamos de afrofuturismo.

O álbum de hoje na nossa resenha e café é o “All in All“, ou em tradução livre todo no todo, ou tudo in tudo.

Lançado em novembro de 1977, o álbum merecidamente vendeu mais de 3 milhões de cópia e ganhou uma versão remasterizada em 2002.

O melhor, é que todo o projeto do álbum, foi pensado por Maurice White após uma viagem q fez a Argentina e ao Brasil.

Musicas do álbum foram usadas em varios samplers dos nossos grupos prediletos, entre eles, Grandmaster Frash e o Furious Five, 2Pac e também o Fugges.

Os destaques do disco  ficam por conta do hit “Fantasy”, acompanhado das músicas que homenageiam o brasil, chamadas de “Brazilian Rhymes”.

São elas a Beijo, que você já ouviu por ai, cheia da nossa ginga e groove,  com um baixo que só falta falar e uma abertura de voz delicadamente bem feita.

No final da track “Runim”, começa um samba de avenida, estilo escola de samba, o percussionista brasileiro Paulinho da costa deixa sua marca no disco, alias esse não é o primeiro álbum que resenho e ele está.

Na segunda “brazilian rhymes” eles interpretam a música ponta da areia de Milton nascimento.

Musicalmente o disco traz talvez as guitarras mais bem feitas do funk, antes dos clássicos produzidos por Michael Jackson e ascensão do Prince. Os metais quase onipresentes em todo o álbum, mostram a criatividade de Maurice na criação dos arranjos e na habilidades dos músicos na execução. Ah… Sintetizadores Moog são fáceis de serem ouvidos neste trabalho.

Termino falando da capa que é fenomenal, traz o Egito, que marca toda a trajetória discográfica da banda. Porém, nesse disco com tons de modernidade, têm naves partindo das pirâmides, uma memphis moderna, high tech contrastando com construções antigas.

Recomendo que ouça esse Álbum com um bom fone ou sistema de som pra não perder nada, porque melhor q ele, só mesmo o show ao vivo da banda, que ao final era engolida pela pirâmide egípcia que descia no palco (INCRÍVEL)!

Dica do Réu – O Brasil do repente que não conhecemos!

Sabe quando você ouve uma música que você não tem tanta familiaridade, mas sabe que faz parte de você? É isso que senti ao ouvir o LP “Coletânea de Repentistas Vol. 2” da Série Brasil Caboclo, lançado em 1981. Esse disco que peguei de uma pilha de disco na casa do meu amigo e irmão Mamuti.

Pra quem acha que a cultura produzida no norte, nordeste e interiores do país, como a literatura de cordel e musicalmente falando, as cantigas e prosas do repente, nunca viu uma viola caipira com suas 10 cordas formando quase um “Chorus” natural a cada dedilhada, Ou, nunca prestou atenção na construção dos versos de um repente, nesse vinil temos por exemplo a música “Quadrão paulista”, se liga na sua estrutura:

“estrofes de 8 versos, com 7 sílabas, o 1º rima com o 2º e 3º, o 4º rima com o 5º e o último termina com a pontinha “ista” pra rimar com a palavra paulista (ouça o som na nossa playlist abaixo), ah o 6º rima com o 7º”.

Infelizmente achamos pouca coisa desse trabalho na rede, um disco que pelo tamanho curto das músicas, pode manter a qualidade dos áudios no Vinil, muito bem gravado no estúdio “Publi-sol”.

O repente diferente como muitos dizem não foi o antecessor do Rap, ele tem vida própria baseada no encontro do povos Bantos com os nativos brasileiros, e também alguns instrumentos e escritas europeias. Esse trabalho sintetiza muito do que é a vida do sertanejo (não to falando do luan santana) e de geral do brasileiro, tem causos, filosofia, brincadeiras, religião, entre outros assuntos numa dinâmica de pergunta resposta, num dedilhado e ritmo que muitos acadêmicos da música nunca conseguirão fazer.

Pras pesquisas futuras, deixo abaixo link para audição de trechos do disco,  pois como disse não temos muito ou quase nada dele na rede pra ouvir e também, também segue nome dos intérpretes e cantores!

Intérpretes:

João Bezerra

João Quindingues e Oliveira Francisco

Zé Francisco e Andorinha

Guariatã de Coqueiro e João Tavares

Dica do Réu – Tina Turner a contadora de casos no Rock em “Foreign Affair”

Em seu 7º Álbum a poderosa Tina Turner traz uma série de histórias, causos e enlaces amorosos do início ao fim. Diferentemente dos seus álbuns anteriores esse LP só emplacou 2 Hits, a famosíssima “The Best”  e a “Steam Windows”.

O “Foreign Affair”me trouxe uma sensação de ouvir uma Tina Turner numa maturidade e presença muito estável, além de flertar com seu passado no Blues com as Harmônicas (Gaitas) na “Steam Windows”, ou nas letras de amor quase sufocantes, ela se mantem contemporânea e usou muito sintetizadores/Programadores digitais, ouça nas faixas “Look me in the Heart” (na percussão), na “Falling Like Rain” e “Not Enough Romance” (Bateria programada). O que se tornaria algo bem característico do Rap, iniciado pela “Disco”, Tina Turner trouxe pro seu trabalho que em boa parte é influenciada pelo Rock ‘n’ Roll.

Uma coisa muito importante desse trabalho é que a própria Tina assina 2 produções desse LP, a famosíssima “The Best” e “Ask me how i feel”, no qual também compôs os arranjos!

Com uma interpretação impecável no álbum, além de arranjos bem “Funkeados” de resposta dos Backing Vocals, a monstrona Tina Turner mostra como fazer um Álbum para se ouvir de ponta a ponta!!!

E para os amantes, cuidado! O som pode ser sua trilha sonora!

“O rádio estourando no acento da frente

Tornando a música agradável

E nós estávamos nos aninhando no acento de trás

Compensando o tempo perdido”

Foreign Affair